Friday, July 29, 2005

"Túnel de Ceuta, o embargo"

Há cerca de oito anos, na Catalunha, dirigindo-me da Figueres para Roses, onde passava as férias com a minha mulher, desviei-me em direcção a Castelló d'Empúries, para visitar a sua magnífica Catedral gótica e admirar o seu famoso tesouro.
Chegando à praça central, deserta à hora da "siesta", dirigimo-nos, a pé, até à Catedral, apenas para verificarmos que estava fechada e sem qualquer horário de abertura ou qualquer outro tipo de informação.
Olhando em redor, à procura de um qualquer sinal de vida, reparamos numa modesta tasca que apresentava a porta entreaberta.
Entramos.
Na penumbra do espaço vazio dirigimo-nos ao "tasqueiro", homem já algo entrado nos anos mas de pose altiva, e perguntamos se nos sabia informar como e a que horas se poderia visitar a Catedral.
O homem olhou para nós, de alto a baixo, e respondeu de forma desabrida:
"Coño!Se vocês tivessem sede e vissem que a minha tasca estava fechada, iam ali à Catedral perguntar ao padre a que horas abria a tasca?Não? Então por que me vem aqui perguntar isso?Será que o padre é mais que um simples tasqueiro?"
Perante o inesperado da situação, demoramos alguns segundos até recuperar a lucidez e constatar que, por um mero acaso da sorte, tinhamos tido a felicidade de encontrar o mais genuino exemplar do "Velho Republicano Catalão".
Então, apenas fui capaz de lhe estender a mão e responder "Coño! Tienes razón".
O resto da tarde foi passado na mais amena cavaqueira com este extraordinário personagem.
Entre malgas de vinho, rodelas de "chorizo" e o típico pão frito com azeite e tomate, lá conseguimos ficar a saber que a Catedral, de acordo com os humores do padre, funcionava à moda dos antigos comboios de Espanha (abre quando abre e, às vezes não abre) o que levava ao desespero do nosso anfitrião, forçado, constantemente, a responder desta forma a todos os turistas que, como nós, transformavam a sua tasca num posto de informações.
O facto de não termos podido visitar a Catedral (havemos de lá voltar já que, aparentemente, agora funcionará melhor) e de o nosso personagem, ao invés de um "velho republicano catalão" ter revelado ser, afinal, um nosso vizinho Galego, que enquanto militar da Guardia Civil, tinha ali sido colocado, ali casara e enviuvara e, agora reformado, por lá tinha ficado, não impediu que tivesse sido este talvez, mais do que as visitas a Figueres, Cadaqués, ou às ruínas de Empurias, o ponto mais marcante dessas férias que, ainda agora recordo com ternura.

Qual a relação disto com o romance do Túnel de Ceuta ou o actual embargo?
Acho que nenhuma, mas, após tantos argumentos de um e outro lado, sobre o mesmo assunto, pensei que seria altura de escrever sobre qualquer outra coisa.
Lembrei-me disto.
Talvez porque, naquela tarde em Castelló d'Empúries, aprendi algo.

Um abraço
António Moreira

PS – Para a Cristina Santos:
É raro estarmos de acordo, mas é um prazer ler o que escreve quando está num "dia mau", obrigado :-)

No comments: